MINAS CONEXÃO | O Caixão da Vida - Por: Walter Navarro, em homenagem a Ricardo Wagner Figueiredo Lage

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O Caixão da Vida – Por: Walter Navarro, em homenagem a Ricardo Wagner Figueiredo Lage

“Ricardo Wagner foi O Cara mais inteligente, culto, informado e, principalmente gozador que conheci “-  Walter Navarro

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Foto: EM – Ricardo Wagner – Nascido em algum dia do Século passado, com partida em + 14/08/2025

Por: Walter Navarro – Jornalista e tecelão das palavras

“Desconfio, severamente, de que Deus me poupa, sacrificando meus amigos. Só em julho e agosto foram vários. Recomendo aos restantes, cortar relações comigo.

Em 1950, diplomata, vice-cônsul do Brasil, o poeta Vinicius de Moraes (1913 -1980) escreveu sobre seu pai, Clodoaldo: “a morte chegou pelo interurbano em longas espirais metálicas. Era de madrugada. Ouvi a voz de minha mãe, viúva. De repente não tinha pai. No escuro de minha casa em Los Angeles, procurei recompor sua lembrança”.

Hoje, a morte chegou pela chamada local em curtas ondas do celular. Era manhã. Ouvi a voz de minha amiga, Nely. De repente não tinha um de meus melhores amigos, Ricardo Wagner “Zé do Caixão” Figueiredo Lage. Nas sombras de minha casa em Belo Horizonte, recompus suas lembranças.

Ricardo Wagner! “Zé do Caixão” para os populares; para mim, “Reserva Moral”, expressão engraçadíssima que ele me aplicou, entre outras. Quando nos encontrávamos, geralmente, toda quinta-feira, no Ponto Savassi, eu o saudava e injuriava, com um: “Canalha! Reserva Moral!”. E ele devolvia: “Canalha! Reserva Imoral!”. Troca de gentilezas entre melhores amigos.

Tudo isso acabou, hoje, não numa quarta-feira de cinzas, mas numa mesma quinta-feira em brasas. Que trocadilho ridículo! Ele diria.

Para quem teve o privilégio e a sorte da cumplicidade com Ricardo, “anjo torto”, pode parar a leitura do óbvio agora. Os demais podem lamentar e continuar.

Ricardo Wagner foi O Cara mais inteligente, culto, informado e, principalmente gozador que conheci. Para não perder mais um clichê, ele era a personificação da máxima: “perco um amigo, mas não perco a piada”. Os que leem agora, mal sabem as piadas que ele criava sobre cada um. Imagino o que falava de mim, pelas costas, já que, pela frente, dizia: “Walter, você é o único reacionário de direita que eu respeito e gosto”. E eu: “você é o único canalha de esquerda – um pleonasmo – que respeito, amo e não brigo”.

Li em algum lugar, assaz alhures e antanho, que Carlos Heitor Cony e Clarice Lispector encontravam-se, todas as sextas-feiras, para falar mal dos amigos, Claro, dos inimigos não tem graça. Eu e Ricardo praticávamos o mesmo vício. E em seguida, gargalhávamos, como vampiros depois de chupar sangue de jugulares incautas.

Adoraria resumir aqui suas melhores tiradas, mas tenho nem tempo, nem espaço. 

Quando eu era jornalista, colunista, há 1069 anos; escrevia o que devia, mas não podia, nesta roça politicamente correta, chamada BH. Claro, eu me fodia sozinho e ele dizia rindo sério: “Walter Navarro tem problema de coluna, kkkkkkkkkkk. Não sei o que você escreveu desta vez, mas já sou solidário”.

Detalhe! A maioria dos meus “problemas de coluna” vinha das histórias e estórias que ele me contava e eu; idiota, escrevia. 

Ricardo Zé, você já é um buraco enorme na vida dos teus muitos amigos, fãs e correligionários. 

Daqui pouco, vamos nos encontrar no mesmo bar, esquentando os frios tamborins de teu velório amanhã. Agora, aqui, entre nós, isso é data pra morrer, num vulgar dia 14 de agosto? Logo você, professor e dono da História? Deveria ter esperado mais dez dias, para rimar com Getúlio Vargas!

Politicamente, você era um Zero à esquerda, eu, um Zero à direita, mas nunca brigamos, nem discutimos, o que chamo de civilização e respeito. Mesmo porque, tínhamos muitas coisas mais importantes em comum: a adoração pelas mulheres, pelo Galo e um pendor saudável para a cerveja e a cachaça; entre outras boas, perigosas e indizíveis coisas da vida.

Por falar em Rubem Braga (1913-1990), quando o já supracitado tarado morreu, ele escreveu um recado de primavera: “Meu caro Vinicius de Moraes: escrevo-lhe aqui de Ipanema para lhe dar uma notícia grave: a primavera chegou. Você partiu antes. É a primeira primavera, de 1913 para cá, sem a sua participação… vi ontem três garotas de Ipanema que usavam minissaias… Eu ainda vou ficando um pouco por aqui – a vigiar, em seu nome, as ondas, os tico-ticos e as moças em flor. Adeus”.

Meu caro Ricardo de Wagner: escrevo-lhe aqui do Sion para lhe dar uma notícia grave: a primavera está quase chegando. Você partiu antes. É a primeira primavera, em quase 30 anos, sem a tua participação… vi ontem três garotas da Savassi que usavam calças… Eu ainda vou ficando um pouco por aqui – a vigiar, em seu nome, as montanhas, os chatos e as moças em flor. Mais que honra, foi oxigênio conviver com você, neste desértico oásis. Adeus.

ps: Ailoviu, viu? Canalha!”

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